Assédio no trabalho: o silêncio que adoece mulheres
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Além dos impactos psicológicos, agressões pode afetar diretamente a carreira da profissional da vítima
No dia 25 de novembro, o mundo celebrou o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, data criada para lembrar que a desigualdade de gênero segue produzindo impactos profundos e cotidianos na vida feminina. Entre as muitas formas de agressão, uma permanece invisível e se perpetua dentro de espaços que deveriam ser de segurança e desenvolvimento: o ambiente de trabalho. Uma nova edição da pesquisa Trabalho Sem Assédio 2025, realizada pela Think Eva e pelo LinkedIn, revela que uma em cada três mulheres no Brasil já sofreu assédio sexual no exercício da profissão.
O estudo mostra ainda como fatores econômicos e hierárquicos estão diretamente ligados à vulnerabilidade dessas profissionais. Trabalhadoras com renda de até cinco salários mínimos concentram mais de 65% dos relatos de assédio, enquanto mulheres que recebem acima de R$ 15 mil representam só 10% dos casos. A desigualdade também se materializa nas posições ocupadas nas empresas: assistentes, profissionais plenas e seniores são as mais atingidas. Entre executivas e diretoras, o índice cai para 14%, evidenciando que quanto maior o poder estrutural, maior a capacidade de defesa.
Os efeitos dessa violência ultrapassam os limites das empresas e alteram trajetórias de vida. Segundo a psicóloga e psicanalista Andréa Chicri Matiassi, o fato de uma em cada seis vítimas pedir demissão após episódio de violência mostra como o assédio desestrutura a vida psíquica e profissional. Abalo emocional, queda de autoestima, crises de ansiedade e depressão são apenas alguns dos impactos imediatos, somados à interrupção forçada da carreira e à dificuldade de permanecer em um ambiente hostil.
Para aquelas que não deixam o emprego, a convivência com o agressor ou com uma estrutura corporativa que não acolhe nem protege transforma o espaço de trabalho em uma fonte permanente de medo. O alerta constante, a sensação de ameaça e o desgaste emocional podem levar ao burnout e a quadros de estresse prolongado. A empresa, por sua vez, perde produtividade, conhecimento e talento qualificado — uma consequência direta da falta de políticas efetivas de prevenção.
A cultura do silêncio é outro obstáculo que impede a responsabilização e a mudança. A pesquisa mostra que apenas 10% das vítimas utilizam canais formais de denúncia. Para a psicóloga Andréa, isso não é falta de coragem individual, mas resultado de um cenário social e institucional que pune quem fala. O temor de retaliações, a vergonha e a culpabilização das mulheres continuam sendo barreiras poderosas. Denunciar ainda significa, para muitas, arriscar a estabilidade financeira e a reputação profissional.
Romper com esse ciclo, segundo especialistas, exige mais do que incentivar relatos: é preciso transformar a forma como as empresas lidam com poder e hierarquia. “A violência no trabalho não é resultado de um problema isolado, mas de estruturas que naturalizam o abuso”, explica Andréa. Isso passa por reconhecer as vítimas, responsabilizar agressores e criar mecanismos que tornem o ambiente corporativo menos permissivo a esse tipo de comportamento.
Suporte legal
Do ponto de vista jurídico, o Brasil já possui ferramentas para enfrentar o problema. A Lei 14.457/2022, que criou o programa Emprega + Mulheres, tornou obrigatória a adoção de medidas de prevenção ao assédio sexual nas empresas. Com ela, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) passou a incorporar também a responsabilidade de combater esse tipo de violência, exigindo treinamento, canais de denúncia seguros e políticas de acolhimento.
O advogado e professor de Direito, Deilton Ribeiro Brasil, destaca que a legislação impõe deveres claros às organizações. Elas precisam garantir anonimato, registrar denúncias, investigar casos e proteger a vítima de qualquer tipo de retaliação. Também cabe às empresas promoverem ações formativas e sanções quando houver comprovação do assédio. A omissão, explica o especialista, pode resultar em responsabilização administrativa e civil.
Apesar dos avanços, o enfrentamento ainda depende de uma mudança cultural mais profunda. A violência sexual no trabalho se mantém porque encontra terreno fértil em desigualdades históricas, estruturas hierárquicas rígidas e na banalização do comportamento abusivo.
Para os especialistas, o combate ao assédio sexual no ambiente profissional segue sendo um dos principais desafios no enfrentamento à violência contra a mulher. Mais do que conscientização, é preciso transformar práticas organizacionais, fortalecer canais de denúncia e garantir ambientes saudáveis e seguros.

