sábado, abril 20, 2024
Cidades

Desocupações dividem opiniões

Foto: A. Sabino

Decisão da Justiça determina que o GDF se abstenha de realizar qualquer ato de demolição, desocupação, despejo e remoção na ocupação do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), durante a pandemia provocada pela covid-19. Tema foi discutido há poucos dias

Alguns especialistas apontam que as ocupações irregulares se tornaram um problema muito comum no Distrito Federal. As ações podem gerar problemas nas áreas ambientais, urbanísticas e inevitáveis consequências relacionadas à segurança pública. E a situação ganhou destaque, quando o governo retomou, nos últimos dias, o processo de remoção de cerca de 30 famílias que estão em área próxima ao CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil). Situação da invasão se arrasta há anos e vários governos tentam inibir os avanços. Após muito impasse, a questão foi parar na justiça. Decisão da juíza da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF determinou que o Distrito Federal se abstenha de realizar qualquer ato de demolição, desocupação, despejo e remoção da ocupação no local durante a pandemia provocada pela covid-19.
De acordo com informações do Governo do Distrito Federal (GDF), a ação de retirada foi realizada após reclamações na ouvidoria sobre o aumento de barracos de papelão e compensado de madeira no local. A Secretaria DF Legal aponta que a maioria dos barracos estavam desocupados e servindo de abrigo para catadores de recicláveis.
Na ação civil pública, segundo a autora, “a desocupação coloca em risco as pessoas que estão no local e que já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade”. A Defensoria lembra que “a lei Distrital nº 6657/2020, de agosto de 2020, veda as remoções e ordens de despejo durante a pandemia. Assim, pede a concessão de liminar para proibir o GDF de promover desocupações, despejos e remoções na ocupação do CCBB, durante a epidemia”, aponta o órgão.
Ao analisar o pedido, a magistrada destacou: “Não há nos autos comprovação de regularidade da ocupação e o processo de desocupação iniciou-se no ano passado, porém o país enfrenta situação atípica de pandemia não se justificando a operação neste período, por isso, será deferido o pedido”.
De acordo com Maria Baqui, da ONG BSB Invisível, que acompanhou todo o processo de derrubada das casas do CCBB, esta é a segunda vez que as famílias passam pela mesma situação, só que em locais diferentes. “A primeira ocorreu antes da pandemia, e a ação de segunda-feira (22) contraria decreto-lei que proíbe esse tipo de operação no DF enquanto permanecer a crise na saúde”.
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) informou que “existem processos para a inclusão dessas famílias em programas de políticas habitacionais e está analisando todos os casos para que possam ingressar na lista de vulnerabilidade social”.
O DF Notícias ouviu especialista, a advogada Karoline Agna (OAB-DF 56.063) para saber sobre a decisão do TJDFT, ela disse que “embora a magistrada tenha deferido liminar no sentido de suspender quaisquer ações no sentido de demolir, desocupar, despejar e remover os invasores, destacou que não existe comprovação de regularidade da ocupação e que tal medida só pôde ser tomada em razão da situação pandêmica que estamos vivendo. Cabe lembrar que a ocupação irregular de terra pública possui natureza precária e não induz à posse, em atenção ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público”.
A advogada, porém, pondera: “É de se esperar que grileiros se aproveitem de tal oportunidade para obter vantagens para si”, disse. “Vale lembrar ainda que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião (art. 183, § 3º da Constituição Federal e art. 102 da Lei 10.406/2002), sobretudo pela incidência do princípio da supremacia do interesse público. Esse princípio estabelece que o interesse público sobressai ao interesse particular, portanto, o particular jamais poderá exercer posse ou poderes da propriedade sobre imóveis públicos, e sim mera detenção, sendo impossível a configuração dos requisitos para usucapião”, concluiu a especialista.
O engenheiro Mateus Paiva faz um alerta, “o que deve ser observado é a quantidade de pessoas que podem usar de má fé para serem beneficiadas pela determinação da Justiça. É triste, mas isso existe. Se apropriam do local com o intuito de receber algum tipo de benefício. O governo certamente fará um acompanhamento para evitar problemas semelhantes em outras regiões do DF”.

Debate

O Governo do Distrito Federal criou em janeiro um grupo para monitorar e fiscalizar a ocupação irregular do solo. A medida é uma das estratégias de enfrentamento à grilagem de terra, e tem como objetivo coibir a prática no território federal. Uma reunião do grupo aconteceu em fevereiro e debateu as soluções para as causas e consequências da ocupação urbana informal no DF. Foram cerca de 230 participantes da sociedade civil organizada, durante a primeira reunião da série “Encontros para Pensar o Território”. O evento foi promovido de forma virtual pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh).
Os participantes apontaram os principais reflexos da ocupação desordenada do território, como a grilagem de terras e o desequilíbrio ambiental, e as possíveis saídas para resolver isso. Entre elas, avaliaram desde a criação de novas centralidades fora do Plano Piloto, com uma oferta maior de empregos, renda, mobilidade e moradias formais, até o modelo de habitação de interesse social como melhor alternativa à população de baixa renda.
Uma próxima reunião para tratar sobre o tema de moradia está previsto para acontecer no dia 17 de abril de 2021. De acordo com o governo, “as reuniões serão sempre virtuais, à noite, e abertas a toda a população, com um link de acesso disponibilizado dias antes no portal do Pdot”.