quinta-feira, abril 25, 2024
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Mulher: você não precisa dar conta de tudo!

Foto: upklyak / Freepik

Para se ter uma boa saúde mental é preciso aprender que é impossível ter o controle de todas as coisas, que a vida não é linear e deixar de viver com tanta rigidez

Estamos vivendo em um mundo em constante evolução, de muitas informações, onde as coisas acontecem muito rápido e também mudam na mesma velocidade. E nesse processo podemos destacar a construção do papel da mulher na sociedade moderna.

As atribuições femininas foram sendo construídas e replicadas ao longo dos anos, e repassadas de geração para geração desde a infância. As meninas, na maioria dos casos, eram criadas para serem femininas, empáticas, delicadas. Seus brinquedos eram bonecas e panelas, sendo preparadas para serem boas mães e dedicadas às tarefas da casa.

Já os meninos foram criados com muito mais liberdade, dificilmente contribuíam nas tarefas domésticas. Foram ensinados que deveriam trabalhar fora para sustentar a família, enquanto a esposa cuidava das obrigações do lar, dos filhos e de tudo mais. Assim, foi sendo construída a socialização das mulheres numa sociedade machista.

Contudo, a mulher sempre lutou por reconhecimento e espaço igualitários na sociedade. Foi então que começaram a surgir melhores oportunidades de trabalho e salários para as mulheres. A questão é que isso ainda não trouxe o tão sonhado reconhecimento, mas sim o dobro de trabalho, já que agora a jornada é dupla – às vezes tripla-, e ela passa a ter um perfil multitarefa.

Enquanto isso é visto como uma conquista, as questões de ansiedade, estresse e a autocobrança aumentaram significativamente. Essa necessidade de tentar controlar tudo se dá por conta da cobrança social enraizada na nossa cultura. Prega-se que a mulher só será enxergada e valorizada se ela der conta de tudo, mesmo que para isso o preço seja a sua saúde mental.

Assim é possível perceber que fatores como a forma que a mulher foi criada e ensinada, a inserção da mulher no mercado de trabalho, acumulando assim as obrigações de casa e do mundo corporativo, as expectativas que a própria sociedade tem sobre o papel da mulher, contribuíram para que a mulher moderna desenvolvesse o pensamento disfuncional de que precisa dar conta de tudo.

Desta forma, a mulher luta para não desagradar ninguém, dando conta das questões da família e das novas atribuições externas, busca de todas as formas se antecipar nas coisas e para isso precisa assumir o controle de tudo. Estar no controle da própria vida não tem nada de errado, o problema é o exagero, é a ilusão de que podemos realmente controlar todas as coisas. É preciso compreender e aceitar que na vida as coisas acontecem independentemente da nossa intervenção, isso traz equilíbrio, leveza e menos ansiedade.

Ser controladora é uma característica desta mulher multitarefa e isso vem com o perfeccionismo. Então não basta tentar dar conta de tudo, tudo precisa sair com perfeição. Nessa busca, ela está sempre alerta, vigilante para não deixar passar nada. Às vezes essa ansiedade não lhe permite nem mesmo uma boa noite de sono. E quando as coisas não saem como planejado, acontece mais sofrimento por causa da frustração de perceber que, por mais que se desgaste, no fundo, não está no controle de tudo e que os seus planos nem sempre vão sair conforme gostaria.

Assim, propõem-se mudanças de hábitos para a preservação da saúde mental das mulheres. Embora aceitar que não precisa dar conta de tudo, não seja uma tarefa tão simples para quem foi ensinada exatamente o contrário. É preciso buscar uma aceitação maior de que há coisas que não se pode controlar ou mudar. Aceitar que a vida não é linear, e sim cheia de altos e baixos – e é assim para todos – nos permite uma nova postura na busca de uma vida mais equilibrada, flexível, relaxada e com menos sofrimento emocional.

É importante também aprender a delegar tarefas, ter humildade para confiar obrigações a outras pessoas, mesmo sabendo que não serão feitas com a mesma habilidade que você faz. Isso pode fazer a diferença na qualidade de vida. Sair de uma vida extremamente corrida, onde haja a crença de que se pode dar conta de tudo, para uma vida reflexiva onde se questione: quanto vale minha paz?

Deixar de lado uma vida com tanta rigidez, para o desafio de fazer as coisas com mais leveza, menos controle, sem o desgaste da perfeição e sem a obrigação de dar conta de tudo é o passo inicial na busca de uma boa saúde mental.

Caso já tenha tentado mudar a forma de pensar e agir e não está tendo sucesso, busque ajuda de um profissional de saúde mental. Procure entender qual a origem da crença limitante de que precisa dar conta de tudo ou, principalmente, que pode dar conta de tudo. Veja-se como uma pessoa merecedora de coisas boas como descanso, paz e valorização.

Entenda que por mais que você faça o que faz para que os que estão ao seu redor tenham o melhor, você pode com isso tirar-lhes a oportunidade de aprender, crescer e por seus próprios méritos. E se você mesma não se valorizar, dificilmente será valorizada pelos outros. Quanto mais disponível estiver, quanto mais boazinha for, menos será reconhecida.

Simone Andrade – psicóloga clínica CRP – 01/24582