Assédio moral dispara na pandemia
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Rotina exaustiva e atividades extra contratuais estão cada vez mais comuns, principalmente durante pandemia que alterou o funcionamento de grande parte das empresas
A pandemia se instalou e trouxe uma realidade para o mundo dos negócios nunca vivenciada. As transformações impostas por esse período impactaram também a forma como os colaboradores desempenham suas funções, onde muitos passaram ao trabalho remoto. Infelizmente, o que não deixou de acontecer nesses últimos tempos foram os casos de assédio moral, que, ao contrário do que se imaginava, vêm se intensificando no modelo de trabalho à distância. Isso pode ser verificado em todas as regiões, em diferentes níveis econômicos e confirmados por números oficiais. O DF Notícias conversou com especialistas para saber como agir e evitar esse tipo de situação.
Pesquisa realizada pela Oracle e Workplace Intelligence, com 12 mil funcionários de 11 países, mostra que as pessoas nunca estiveram tão estressadas e ansiosas. Para 70% dos brasileiros, 2020 foi o ano mais estressante de suas vidas. 42% dos empregados do país disseram que estão trabalhando ao menos 40 horas a mais por mês – percentual acima da média global (35%).
O Brasil também sai na frente entre os que fazem 5 horas adicionais ou mais por semana: 60%, contra a média de 52%. A pesquisa trouxe outros dados preocupantes: 90% dos brasileiros diz ter problemas de saúde mental que afetaram sua vida doméstica. E 21% relatou casos da síndrome de Burnout.
Geovana Silva, especialista em Recursos Humanos, explica que, “há estudos e diversos relatos que comprovam que o assédio moral e o excesso de trabalho estão mais presentes do que nunca na vida dos colaboradores. Nós, que atuamos com contratação e demissão de pessoas, sentimos isso nos últimos meses. Principalmente nas empresas que passaram o trabalho para o home office. Tentamos trabalhar isso com nossos clientes, procurando sempre moldar ou mudar aqueles líderes que, porventura, tenham ou tinham o costume de agir assim. O colaborador precisa ser ouvido e respeitado”.
A advogada Caroline Sena (OAB-DF 23.301) aponta que “houve, de início, uma falsa percepção de que o afastamento físico de possíveis assediadores diminuiria a incidência de casos de assédio moral. Contudo, o que se viu foi que os ofensores se adaptaram ao novo formato de trabalho imposto pela pandemia, ou por ela acelerado”.
“Inúmeras ocorrências foram relatadas pelos trabalhadores em home office como: instalação de meios de controle de jornada abusivos; aplicativos de rastreamento; exigência de envio de fotos da estação de trabalho do trabalhador de maneira reiterada e desproporcional e cobrança de metas inalcançáveis causando o esgotamento físico e mental dos trabalhadores”, aponta Caroline.
A advogada conta que, “de acordo com o juiz da 32ª Vara do Trabalho de Salvador, Rodolfo Pamplona Filho, a vulnerabilidade do trabalhador no período da pandemia agravou sua sujeição a comportamentos abusivos e atentatórios à sua dignidade no ambiente de trabalho. Associado a isso, o empregador, premido pela necessidade de reduzir seu quadro funcional, reformular seus processos produtivos e mitigar os riscos do negócio, está mais suscetível a praticar assédio moral, intencional ou inadvertidamente, e a incorrer em irregularidades trabalhistas”.
A especialista ressalta: “Em caso de aumento da carga horária, deve ocorrer o aumento salarial equivalente. Caso o aumento salarial não seja equivalente, a alteração será ilícita, as mudanças não serão válidas e o funcionário poderá requerer na Justiça do Trabalho: a rescisão indireta pelo descumprimento do contrato pelo empregador”, cita.
A Dra. Cíntia Fernandes (OAB 26.668) disse que “em relação ao crescimento do assédio moral, de fato houve um maior número de ocorrências durante o período de pandemia. É importante ressaltar que o assédio moral pode ocorrer de várias formas. Além da hipótese de constrangimento do empregado e da empregada, da situação muitas vezes em que ele é chamado, com nomes pejorativos, há situações também com excesso de trabalho, trabalho além das limitações do empregado ou então a retirada de trabalho de forma a humilhar, constranger ou rebaixar. Houve um maior número em relação a sobrecarga de trabalho, dos excessos que desencadearam vários transtornos de natureza emocional e psicológica”.
“Importante lembrar que o aumento de carga horária deve respeitar as limitações impostas na legislação. Existem limites que não podem ser superados, justamente por questões de saúde e segurança do trabalho. Caso o empregado já tenha buscado resolver essa situação e não tenha alcançado a solução existe a via do Poder Judiciário, mediante ação trabalhista”, salienta.
Casos oficiais
Em 2020, o Tribunal Superior de Trabalho (TST) viu os processos de assédio movidos contra empresas caírem em relação ao ano anterior. De acordo com dados do órgão, de janeiro a dezembro de 2020, o Tribunal julgou 1.625 casos de conduta moral (-9.5%) e 79 de conduta sexual (-5%).
Mas o especialista em compliance, Diego Leite, pontua que isso se deu, principalmente, pelo medo do desemprego. “Os números caíram oficialmente porque as pessoas estão com medo de ficarem desempregadas, então acabam aceitando tudo que é imposto pelo chefe ou ordenador de funções.
Como denunciar
A Dra. Caroline Sena esclarece que, “existem canais de denúncias e o próprio canal de Recursos Humanos, que poderão auxiliar o trabalhador vítima de assédio e impedir a continuidade do assediador nessa prática. É importante tentar se munir ao máximo de provas de assédio repetitivo e prolongado, pois, com a pandemia, a prova testemunhal ficou mais difícil. Assim, anotações contendo o ano, mês, dia e hora em que o assédio aconteceu, a guarda de e-mails e mensagens ou áudios recebidos pelos aplicativos whatsapp, telegram; gravações de reuniões, são bem-vindas, pois estas provas podem ser requisitadas em juízo, para comprovar a conduta”.