domingo, novembro 3, 2024
Desta semanaJustiça

Famílias poderão sofrer mais negativas de planos de saúde

Foto: Arquivo Pessoal

Está em votação recursos que podem restringir o direito de pleitear tratamentos, exames e procedimentos para pacientes de convênios

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma hoje o julgamento de dois recursos que podem definir a lista (rol) de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Até 2019 essa lista era exemplificativa, ou seja, se o exame, procedimento ou tratamento indicado pelo médico não estivesse no rol elaborado pela ANS, os planos de saúde deveriam, mesmo assim, cobrir a realização da indicação médica.

Porém, em 2019, o ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª turma do STJ, mudou completamente esse entendimento, afirmando que o rol deve ser taxativo, o que significa que as operadoras dos planos podem negar o pedido médico, caso ele não conste no rol da ANS.

Para o ministro, a taxatividade é necessária para proteger os beneficiários dos planos de aumentos excessivos e assegurar a avaliação de novas tecnologias na área de saúde. Por outro lado, quem realmente precisa dos planos de saúde, afirma que medida vem apenas para garantir que as operadoras continuem cobrando preços abusivos e reduzam, legalmente, a prestação de serviços.

Embora a ANS afirme que o rol de exames, procedimentos e tratamento seja elaborado com base em evidências científicas sobre eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento, usuários dos convênios afirmam que a realidade é outra: “a lista leva mais em consideração os custos”, afirmam familiares.

Por exemplo, exames mais complexos, como o PET Scan, que investiga vários tipos de câncer, tratamentos como imunoterapia, canabidiol para epilepsia refratária, cirurgias intrauterinas e a terapia ABA para autismo (que trabalha habilidades específicas) poderão ser negadas aos pacientes que pagam plano de saúde, já que não constam explicitamente no rol da ANS.

Familiares de pessoas que dependem de tratamentos específicos estão com medo do que pode acontecer se a proposta de alteração for acatada pela Justiça.

Impactos nas famílias

Célio Raphael Rodrigues e Aline Casimiro são pais do pequeno Enzo Raphael de 3 anos que foi diagnosticado com autismo aos 2. Enzo é irmão de João Pedro que tem uma verdadeira paixão pelo irmão caçula.

Foram dias de incertezas e muitas consultas até o diagnóstico, depois disso veio o choque: a rede pública de saúde não seria capaz de oferecer o acompanhamento na intensidade e rapidez necessárias.

Diante disso, os pais buscaram atendimento pelo plano de saúde da criança na expectativa de que o pequeno Enzo tivesse as terapias adequadas o mais rápido possível. Mas passados dois anos do diagnóstico e de muitos embates com o plano, o menino ainda não conta com todo o suporte que possa lhe garantir mais autonomia no futuro.

O pai de Enzo, em entrevista ao DF Notícias afirma que lutar pelo direito do filho de ter uma vida digna e mais confortável exige muito esforço. “Depois do diagnóstico, pensamos que estaríamos mais seguros quanto ao acompanhamento do Enzo por conta do plano de saúde, já que na rede pública mal conseguimos o diagnóstico. Mas o que estamos vivendo é absurdo. Pagamos caro para o plano constantemente negar exames para nosso filho e sempre dizer que os tratamentos indicados pelos médicos não são possíveis pelo convênio”, relata Célio Raphael.

“Estamos em busca de fono, psicólogo e terapeuta ocupacional há meses e a justificativa é sempre a mesma: não há vagas no momento para atendimento de planos. De acordo com a ABA (Applied Behavior Analysis – Análise Comportamental Aplicada) o Enzo deveria ter acompanhamento por terapeutas especializados 40 horas semanais, mas até hoje só conseguimos que ele tenha terapia uma vez por semana. Isso nos deixa angustiados”, revela o pai.

E segue: “Se já estamos enfrentando essa dificuldade absurda para conseguir atendimento, imagina se a Justiça aprovar a taxatividade do rol da ANS. É bem possível que nosso filho fique sem tratamento pela pura covardia financista dos donos de plano de saúde. Para grande maioria, o que vale é o dinheiro e não a saúde da pessoa”, comenta Célio.

Manifestação

Desde a manhã de hoje, Aline – mãe de Enzo – e outras mães se unem em manifestação pacífica em frente ao STJ com a intenção de evitar a aprovação da taxação do rol da ANS. As participantes, lideradas por Andréa Werner, vieram de várias partes do país.

“Queremos chamar a atenção não só dos próprios ministros do STJ que vão fazer a votação, como também da mídia e das pessoas que são usuárias de planos de saúde em geral, e que não sabem o tanto que elas vão ser prejudicadas se essa decisão de tornar o rol da ANS taxativo for tomada”, alerta Andréa.