sexta-feira, maio 3, 2024
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Política também é lugar de mulher

Foto: Valter Campanato – Agência Brasil

Projeto de Lei que incrementa a participação de mulheres na política tramita no Congresso. Especialista aponta os principais pontos da proposta 

Até o início da década de 1930 as mulheres brasileiras não tinham direito ao voto. Contudo, no final de 1932 veio a inclusão feminina no processo eleitoral, mas ainda assim com restrições, apenas as alfabetizadas e empregadas podiam eleger representantes. Mesmo assim foi considerado um grande avanço para a sociedade que pouco dava voz ao público feminino.

Quase um século depois, as mulheres como um todo, garantiram o direito de escolher seus representantes para os poderes Executivo e Legislativo, local e federal. Porém, do outro lado das urnas, a representação feminina nos Poderes ainda está a quem se comparada ao quantitativo de eleitores no País. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam a maioria entre os 150 milhões de eleitores, somando 53%.

Contudo, ainda de acordo com o TSE, elas são minoria nos cargos de representação. Nos últimos 195 anos, a Câmara dos Deputados por exemplo, teve 7.333 deputados, incluindo suplentes. Apesar de conquistarem o direito de serem eleitas em 1933, as mulheres ocuparam somente 266 cadeiras nestes quase 90 anos.

Diante da necessidade de ampliação da participação feminina na política várias medidas estão sendo propostas e discutidas nas principais esferas de poder. O passo mais recente foi a aprovação do PL 1.951/2021, proposto pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) e que segue agora para a Câmara dos Deputados. O projeto determina uma porcentagem mínima de cadeiras na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas dos estados, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores a ser preenchida por mulheres (inicialmente 18% das cadeiras em disputa), convocando-se as suplentes caso não sejam eleitas em número suficiente para cumprir esse percentual.

Além disso, o projeto garante recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário para as candidaturas proporcionais femininas.

Em entrevista ao DF Notícias, a especialista em Direito Eleitoral e consultora parlamentar, Ana Paula Rodrigues explica os principais pontos da proposta, bem como expõe o que é positivo e negativo na proposição. Além de considerar os reflexos já notados neste período pré-campanha.

Questionada quanto aos reflexos da aprovação da medida no Senado, Ana Paula destaca que os partidos já começaram suas movimentações em busca de nomes fortes que possam compor as siglas. “Com isso (aprovação do PL), as movimentações percebidas dentro dos partidos é que agora eles estão procurando bons quadros, bons nomes, para cumprir essas cotas que deixam de ser cotas de registro de candidaturas e passam a ser cotas de eleitas. Então, ao passar a proposta de reserva de vagas para mulheres eleitas no parlamento, muda-se a natureza do que até então vinha sendo usual, ou seja, ao invés de reservar vagas nos partidos, as vagas serão reservadas nos parlamentos, o que impele os partidos procurem bons quadros para preencher essas vagas. Assim, essas conversas e movimentações já estão acontecendo e com um maior cuidado na escolha dos nomes, procurando indicações de quem efetivamente tenha mais condições de obter vitória nas eleições de 2022”, afirma.

Quando aos pontos favoráveis da proposta em andamento, a especialista aponta que “um ponto positivo dessa reforma eleitoral, caso aprovada, é que a proposta é um avanço em busca de uma maior representatividade feminina, outro ponto de extrema importância é que se pode alcançar uma maior participação de mulheres em espaços decisórios – caso o partido realmente cumpra o que foi determinado no projeto. Importante também ressaltar que inicialmente o projeto do Senador Ângelo Coronel estabelecia um piso de 30% de recursos do FEFC (Fundo Eleitoral) e do Fundo Partidário para as candidaturas proporcionais femininas, mas deixava a cargo de cada partido estabelecer o percentual máximo a ser aplicado, ou seja, seria mais uma vez discricionário do partido e isso foi alterado no texto do substitutivo do relator da proposta no Senado, Fávaro, onde esse percentual deverá resultar de acordo entre os integrantes de cada partido, homens e mulheres, conforme a viabilidade de eleição dos respectivos candidatos a cada cargo e em cada circunscrição. Vislumbro aqui mais um avanço, ainda que modesto, mas podemos entender que a autonomia partidária tem que ter vozes masculinas e femininas nas escolhas de suas decisões, essa seria uma forma de cercear grupos refratários à participação feminina que em pleno século 21 ainda imperam e impõem suas vontades”, ressalta Ana Paula.

Ainda é pouco

Já quanto ao lado desfavorável do projeto, a consultora observa que “a meu ver, a reforma, nesse aspecto (participação feminina), ainda é muito tímida, tendo em vista que 18%, é número muito próximo ao que já existe hoje de candidatas eleitas na Câmara dos Deputados, por exemplo. Assim também é na maioria dos parlamentos municipais e isso deixa o Brasil muito distante da realidade hoje vislumbrada no Chile, por exemplo, que tem uma paridade de homens e mulheres. No texto original do Senador Angelo Coronel, ele reservava apenas 15% das vagas na Câmara dos Deputados e nos Legislativos estaduais, municipais e distrital à mulheres, mas o relator, o senador Carlos Fávaro, acolheu emenda da bancada feminina no Senado, que estabelece um objetivo de ao menos 30% das vagas serem para mulheres, a ser alcançado de forma paulatina, ou seja, 18%, nas eleições de 2022 e 2024; 20%, nas eleições de 2026 e 2028; 22%, nas eleições de 2030 e 2032; 26%, nas eleições de 2034 e de 2036; e 30%, nas eleições de 2038 e 2040, onde chegaremos aos 30% das vagas apenas após 16 anos de disputas eleitorais.

Prazo e Distritão

A especialista em Direito Eleitoral explica que ainda há tempo para que a proposta seja aprovada e entre em vigor já nas eleições do ano que vem.

“Em termos de tempo hábil para implementar a reforma, o Art.17 da Constituição estabelece o Princípio da Anualidade, ou seja, qualquer lei, qualquer mudança eleitoral tem que ser aprovada pelo menos um ano antes das eleições. Ao meu ver, há sim tempo hábil para se adequar ao que será implementado com essa reforma. Agora, em alguns aspectos essa reforma é sim, tratada de forma açodada, sem discussão mais profunda. E o exemplo principal disso é a proposta de mudança do sistema eleitoral que passa a adotar um sistema não mais proporcional para deputados e vereadores e sim o sistema majoritário, implícito no chamado Distritão. Essa mudança de sistema é realmente algo que deveria ter uma participação maior, uma discussão maior. A aprovação dessa mudança para a próxima eleição pode trazer prejuízos, sendo que a forma com que está sendo realizada, a toque de caixa, pode levar inicialmente a uma impressão de avanço, mas é um sistema utilizado em apenas outros três lugares no mundo: Vanuatu (uma ilha do Pacífico), Jordânia e Afeganistão, conclui Ana Paula.

Participação feminina

Atualmente, dos 24 deputados distritais que compõe a Câmara Legislativa do Distrito Federal, apenas três são Mulheres: Arlete Sampaio (PT), Jaqueline Silva (PTB) e Júlia Lucy (Novo).

Na Câmara dos Deputados, das de 513 cadeiras, apenas 77 são ocupadas por deputadas, que corresponde a 15%. No Senado somente 12 mulheres foram eleitas para as 81 vagas, o que equivale a uma participação feminina de 14%.