Situação de rua chega ao extremo
Foto: DFN
Por todas as cidades são vistas estruturas improvisadas que abrigam centenas de indivíduos. Pandemia agravou situação e doações indiscriminadas incentivam a permanência de famílias nas ruas
O fim de ano se aproxima, e com ele chegam mais famílias às ruas do Distrito Federal. Cenário já é rotineiro na capital. Porém, pelo segundo ano consecutivo, as condições são ainda mais complexas por conta dos reflexos da pandemia de covid-19. As medidas sanitárias adotadas trouxeram insegurança social e principalmente financeira, o que acabou acentuando o número de pessoas em situação de rua.
Por todas as regiões administrativas são vistas barracas individuais, e até mesmo grupos com dezenas de famílias ocupando áreas públicas. Nos últimos dias o DF Notícias tem recebido denúncias de ocupações pelas ruas da cidade. Esta semana, o leitor José Sobreiro Filho, professor da UnB, nos enviou foto de uma barraca montada em cima de uma árvore, em pleno centro do Plano Piloto, próxima à Torre de TV. “Veja como a pobreza só aumenta”, disse o docente em mensagem enviada à redação.
A equipe de reportagem foi até o local onde constatou a instalação da barraca, bem como pessoas em baixo da árvore, revelando que ali realmente é habitado. Houve uma tentativa de aproximação por parte da equipe, porém as pessoas não quiseram contato.
José Sobreiro é professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília e diz que “essas questões são chocantes para nós, pois mostram que as pessoas não têm direito à cidade”.
E segue: “Embora a moradia seja um direito, as cidades não integram as pessoas e as ocupações são cada vez mais comuns. Elas desafiam os governos porque evidenciam que falta um planejamento para o povo. Se o governo não cria suas políticas públicas de modo eficiente, o próprio povo o faz!”, ressalta o professor.
O fato não é isolado, foram registadas pessoas em situação de rua em frente da Embaixada de Portugal, na avenida das Nações, e uma grande ocupação em área dentro do Parque da Cidade, que só ficou evidenciada por conta da retirada das árvores para a construção do viaduto do Sudoeste. Contudo, o DF Notícias já havia revelado a situação, por diversas vezes, na coluna de Luiz Solano.
Além do Plano Piloto recebemos informações sobre ocupações em Taguatinga, Asa Norte, Samambaia, Ceilândia.
Atualmente o Distrito Federal não possui um levantamento oficial a respeito da quantidade de pessoas em situação de rua. Mas há registros administrativos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedes), onde informa que, a partir da pandemia da covid-19, são abordadas mensalmente, cerca de 2.250 pessoas pelo Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas). Porém, mesmo com esses registros administrativos disponíveis, a própria pasta afirma que há um vácuo informacional acerca desse grupo populacional.
Segundo o gerente do Seas, André Santoro, com pandemia houve um aumento de cerca de 30% na população em situação de rua no Distrito Federal. A perda de emprego e renda fez com que a demanda saltasse de 1,8 mil pessoas para cerca de 2,4 mil pessoas atendidas por mês pela Sedes.
O último dado oficial é o censo de 2011, desenvolvido pela Universidade de Brasília (UnB), que indicou que a Capital Federal contava, naquela época, com 2.512 pessoas em situação de rua, sendo 1.972 adultos, 221 adolescentes e 319 crianças vivendo em situação de rua no Distrito Federal.
Abordagem social
O Serviço Especializado em Abordagem Social (Seas) é um serviço de atendimento às pessoas em situação de rua e que ocupam espaços público no Distrito Federal. As ações identificam situações de risco social e pessoal, como: trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, entre outros.
De acordo com informações da Sedes, o serviço não se trata de retirar compulsoriamente as pessoas das ruas, mas de atender nos espaços públicos da rua para inserção na Política de Assistência Social e demais Políticas Públicas, tais como: Saúde, Justiça, Educação, entre outras.
Segundo a pasta, os serviços são planejados e contínuos e ocorrem todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados, conforme organização territorial das equipes. Atualmente, são 28 equipes de abordagem social que atuam em todo o território do Distrito Federal, sendo elas referenciadas aos 11 CREAS e 2 Centros Pop. Destas, 20 equipes atuam de segunda a sábado das 8h às 20h e 8 equipes atuam em regime de plantão com horários intercalados, tendo funcionamento de 8h às 22h.
Ação conjunta
A redação buscou informações junto a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Secretaria DF Legal para saber sobre ações que visem atender esse público, bem como desocupar áreas públicas do DF.
Em nota, “a Secretaria DF Legal informa que elabora, em conjunto com as forças de segurança e a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), um protocolo de ações a serem adotadas para a liberação dos espaços públicos no Distrito Federal”.
“Todo o processo está sendo realizado visando preservar o bem-estar das famílias, que são assistidas pela Sedes antes, durante e depois das ações, e atender às recomendações do Ministério Público do DF e da Defensoria Pública do DF”, segue a pasta.
“A DF Legal informa ainda que, com o auxílio das pastas já mencionadas, monitora diversas áreas por todo o Distrito Federal”, finaliza a nota.
Incentivo para ficar na rua
Um dos grandes agravantes para o aumento e até mesmo a permanência de pessoas em situação de rua são as doações da própria população. Em ação recente da Sedes, em parceria com a Administração Regional do Sudoeste e Octogonal, dezenas de pessoas foram atendidas, mas a administradora da região, Tereza Canal, revelou que alguns deles até têm onde morar. “Mas, infelizmente, preferem a rua por achar que conseguem mais ajuda. Aqui no Sudoeste tem uma família do SIA que opta por circular e pedir”, conta.
O gerente do Seas, André Santoro, revela que um dos obstáculos para a solução do problema é a comunidade que, solidária, faz doações diretas e, sem querer, estimula a permanência dessas pessoas nas ruas.
A orientação de Santoro é que as doações não deixem de existir, mas que sejam feitas por meio de alguma das instituições que tenham registro no Conselho de Assistência Social da pasta. “A mesma comunidade que reclama [das pessoas vivendo nas ruas] é que doa. E isso pode ser mudado”, alerta.