Gasto público desafia arrecadação recorde
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Alerta de paralisação da máquina contradiz maior volume de arrecadação no país
Apesar dos sucessivos recordes de arrecadação tributária, o Brasil enfrenta um cenário fiscal desafiador. De janeiro a maio de 2025, a Receita Federal arrecadou mais de R$ 1,19 trilhão — o maior volume para o período desde o início da série histórica, em 1995. Em maio, o recolhimento chegou a R$ 230,1 bilhões, uma alta real de 7,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Mesmo assim, o discurso do governo federal tem sido marcado por alertas de escassez, a exemplo da recente declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que mencionou risco de paralisação da máquina pública após a derrubada da proposta de aumento do IOF pelo Congresso.
A contradição entre arrecadação em alta e ameaças de cortes está nos gastos públicos. Dados do Tesouro Nacional e do Banco Central revelam que, em maio, o setor público gastou R$ 125,9 bilhões a mais do que arrecadou, considerando o resultado nominal — que inclui os juros da dívida. Desse total, R$ 92 bilhões foram apenas para o pagamento de juros. Mesmo excluindo esse fator, o resultado primário do governo central ainda apresenta déficit, dificultando o cumprimento da meta fiscal de zerar o déficit primário neste ano.
Para o especialista em finanças André Charone, o problema central não está na receita, mas no volume e na rigidez das despesas. “A arrecadação vem batendo recordes, mas a despesa obrigatória consome tudo, e mais um pouco. O problema não está em arrecadar pouco, e sim em gastar mal e gastar demais. O Estado brasileiro tem um padrão de gasto que não cabe no PIB”, afirma. Segundo ele, o risco de paralisação exposto pelo governo reflete mais falhas de planejamento do que ausência de recursos.
Charone destaca que mais de 93% do orçamento federal está comprometido com despesas obrigatórias — como salários, aposentadorias e repasses constitucionais —, o que limita a margem de manobra para ajustes. Ele critica a ausência de reformas estruturais, como a administrativa, e a continuidade de medidas que ampliam gastos, como novos benefícios e aumento do número de parlamentares. “É óbvio que os serviços públicos são fundamentais, mas o Estado precisa fazer o que famílias e empresas já fazem há tempos: revisar contratos, cortar excessos, eliminar privilégios e priorizar o que é essencial”, alerta. Para ele, sem uma revisão séria do padrão de despesas, nem mesmo os recordes de arrecadação serão suficientes para equilibrar as contas públicas.